segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Destino torpe

Papéis, papéis. Sequer mais lápis uso, máquinas modernas me são exigidas. Papéis me são exigidos. Letras, páginas, poemas, sentidos. Exigem que eu escreva e exigem que eu goste de escrever. Mas roubaram tudo o que havia em mim. Roubaram o meu amor. Roubaram-me a arte e a fantasia. Roubaram-me o anseio e a liberdade de expressar por essas linhas aquilo que sinto, aquilo que quero escrever. Escrevo, hoje, pois sou obrigado. Queria eu ter estudado para ser tiete do governo. Estudaria para executar um trabalho feito de modo magistral e sem grande esforço. Não, todo poeta sonha, e como todo sonhador, acaba rendendo-se a sua própria perdição. Então, aqui estou eu, escrevendo. Escrevo, não mais por prazer, mas para sobreviver. Decerto, não são sonhos ou ideias que sobrevivem, mas minha decepção.
Vivo desnutrido, pois alimentar-me é uma obrigação. A obrigação do poeta é morrer pelos vícios. Nem mais a bebida ou o cigarro me são livres sem que venham carregados de tal contradição. Até mesmo os pequenos prazeres escatológicos do homem primitivo me foram roubados. Sinto-me perturbado toda vez que sento-me sobre a louça levemente manchada da toalete ou sou levado ao gozo por uma prostituta qualquer.


É fadado ao homem crescer, arranjar um bom emprego, constituir família e ser feliz. Entretanto, a vida é breve demais... E esvai-se como um suspiro; um pedaço de unha roída de meus dedos que será para sempre perdido, junto a tantos outros pedaços de homens esquecidos, sem qualquer identidade, na poeira do aspirador.

23/05/2014.

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