terça-feira, 18 de setembro de 2018
"Sou um conhecedor de estradas. Tenho experimentado estradas durante toda a minha vida... Essa estrada que nunca acaba... Provavelmente, vai sempre ao redor do mundo...".
(My Own Private Idaho)
Não sei bem a data ao certo. O tempo passa rápido demais. E as estradas não perdoam. Também já não sei mais onde estou, nem por quais lugares passei. Nomes, endereços, códigos... Tudo isso deixou de significar algo já faz um bom tempo. Mas de algumas coisas eu me lembro como se estivesse vivenciando pela primeira vez. Sua voz inebriante... Olhar hipnótico... Postura firme, toque libidinoso... Um ar de superioridade exalado por sua presença incólume. Lembro-me do sabor de seus beijos como se fossem embebedados pelo whisky de meu copo. E de seu perfume, que me envolvia como a fumaça deste cigarro que se apaga com as lembranças.
Lembro-me da primeira vez que o vi. Quando as estradas ainda não me pertenciam, eu já pertencia a elas. Foi numa época, como esta, enquanto ganhava uns trocados num bar menos sujo que este, entre músicos e meretrizes. Não se consegue desvencilhar uma vida boêmia daqueles que pertencem às ruas. Naquela época, cantava canções de amor sem, de fato, apropriar-me delas. Mas isso mudou quando o conheci. Era como um anjo caído, travestido de homem, alma de pecador. Tinha nome de artista, daqueles estrangeiros, embora mantivesse sua postura de intelectual que contrastava com sua jovialidade. Observava-o divertindo-se com moças seminuas nas mesas e nos cantos do bar, enquanto, para saciar o meu desejo, mantinha um microfone em meus lábios, acariciado por minhas mãos, em um regozijo quase sexual. Terminava a noite. E até que a próxima noite viesse, trocava aquele microfone por sua carne. E assim foi nossa vida por um bom tempo. À noite, pertencíamos ao mundo. Durante os dias, éramos apenas nós, o nosso mundo.
As estradas nunca terminam. Sequer o anseio dos jovens. Pois, assim, resolvemos entregarmo-nos às estradas, desta vez, juntos. Opala 71, verde. Quantas estradas percorreram aquelas rodas... Quantos amores presenciaram aqueles bancos... Afagos, carícias, promessas... Tinha, então, 15 anos. Quanto a ele, há algum tempo já dirigia aquele Opala, que era como uma representação mecânica de sua índole selvagem. E fomos nós, entregues à paixão e à doentia obcessão de conquistar o mundo. Paisagens magníficas coloriram nosso romance através das janelas daquele veículo que nos conduzia como um mestre aos seus discípulos pelos caminhos em busca da descoberta. E, ao adormecer do Sol, lá estavam elas, estrelas, irradiando nossos sonhos como se fossem infinitos, tal qual o manto negro da noite que velava por nossas almas. Porém, sonhos terminam. E a vida, tal qual as estradas, é contingente demais. Hoje, a minha estrada, é a da perdição.
Incrível admitir que se possa passar mais tempo nas estradas do que sob um teto. Seja o teto de um lar, um quarto de hotel, uma igreja, um santuário, um bar, bordel... A vida é uma estrada a qual se escolhe percorrer. Tantas estradas, tantas escolhas... Nasci nas estradas e sei que nelas encontrarei também o meu fim. São elas o meu caminho.
Tanto tempo nas estradas, cada curva reflete o meu ser... Inconstante, perturbadora, tênue, densa, escura, clara, sombria, solitária, perigosa, longa, breve, curvas... Vazia... Estou vazia e esse vazio reflete-se nas estradas por onde passo. Vazia por dentro... O vazio de fora... Vi tanto pelas estradas em que passei que já não sei mais se quero ir além. Tudo o que sei é que, enquanto tiver as estradas, memórias daquele Opala 71 percorrerão a minha mente como se, a cada curva, ele ainda estivesse a minha espera.
Dedicado ao Meu Admirador Secreto, como prova de que, independentemente das contingências das estradas, cumprirei com a minha promessa de não abandonar este blog, que há muito, tornou-se mais como um diário velho, que hoje, tem suas páginas jogadas à sarjeta, apodrecendo gloriosamente.
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